segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Heresia

A pretensão de um ato
se revela num gesto
obsceno, maldito
manifesto indigesto.

A pré-tensão de um ato
ata-me à uma revelação,
proíbe a gestação de um gesto
ao me causar indigestão.

A pré-tensão de um a-to
Ata-me ao revelar uma ação
a interrupção do gesto:
indi-gesta manifestação.


A gesta-ção indi-gesta
de uma indi-gestão
será mera pré-tensão
de uma anunciação
de um não ato em ebulição?

Ou será mera heresia
trans-formar em poesia
a gritante histeria
que causou indigestão?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Os feitos insatisfeitos

Satisfeitos com os feitos
são os cegos perfeitos
que não vêem os defeitos
que iniciam nos peitos

Oh, santa satisfação
a falsidade do mundo
encontra-se alojada
na sua proclamação

Quem poderá negar-se
satisfeito reparando
em seu leito, perfumado
lençol em macio colchão?

É que quando caminha
pela rua de noite
culpa-se por ver outro
dormindo num papelão

Precisa provar para a dor
que sente, que basta estar vivo
que basta ser gente
e estar num abrigo

Quanto tempo sustentará
essa triste aceitação
de que basta ter na mesa
manteiga, queijo e pão?

Quantos dias durarão
a dura constatação
de que se constata a ação
por faltar uma ação?

Quantos dias satisfeitos
aquecerão seus peitos
apaziguando a dor de não
poder ver os não-feitos?

Quantas necessidades
serão ignoradas a fim de
afirmar pra si que as
cotas já estão saturadas?

Insatisfeitos com os feitos
são os sãos imperfeitos
que morrem pensando
“Que belos meus defeitos”

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

As benesses do apagão


Ontem, resolvi que ia ao teatro ver o Homem da Tarja Preta. O texto, do psicanalista Contardo Calligaris, é dirigido por Bete Coelho e tem a interpretação do ator baiano Ricardo Bittencourt. Enfrentei uma chuva “daquelas” para ir da Gávea ao Leblon. Cheguei ao teatro ensopada e encontrei meus amigos com quem havia marcado. Teatro vazio, como era de se esperar em uma terça-feira. A peça começou. Os três minutos iniciais (se é que deu pra calcular) me pareceram angustiantes. Uma sequência de ações sem palavras foi ocorrendo. Aquele silêncio já estava se tornando insuportavelmente incômodo, quando o personagem começou a falar. Pausa para isso. Andamos tão a mil, que suportar 3 minutos ou um pouco mais de contemplação de ações simples (como um entra e sai de cena, e uma hesitação particular) se torna sufocante. Não sei qual a intenção (se é que há intenção) de nos deixar ausentes de som nesse momento inicial, mas o fato é que pra mim funcionou como um sufoco e isso foi fundamental pra que eu mergulhasse na história.
A partir da primeira palavra proferida, foi impressionante a maneira como consegui me concentrar. Não dispersei nem um segundo, o que nem sempre é comum comigo.
Numa peça com um número maior de atores há o trabalho das marcações, posicionamento, saber a deixa, e se errarem a deixa, ter que improvisar em cima do que foi falado. Mas há um contato direto com outra pessoa, o ator tem para quem olhar. Já no monólogo, eu imagino que deva ser infinitamente mais difícil estar sozinho no palco e ter que encarar “olhos no olhos” a platéia. E esse cara faz isso muito bem. Tem uma segurança admirável.
A peça ia muito bem, quando de repente houve um blackout. Começou a tocar um despertador. Achamos que era efeito cênico. Passaram quase dois minutos, o ator na mesma posição disse: “Faltou luz mesmo, não faz parte da peça”. Começamos a rir. Um funcionário do Teatro do Leblon abriu a porta e comunicou que o problema era em toda a rua. Faltavam apenas três minutos para finalizar a peça, mas como estávamos no breu, não enxergávamos quase nada. Além disso, a cena final precisava de uma música e não havia como tocá-la. Foi nesse momento que aconteceu uma coisa muito gostosa: tivemos a oportunidade de ter um bate-papo com Ricardo Bittencourt. Ele falou da diferença entre o público carioca e o paulista. Em São Paulo, O Homem da Tarja Preta ficou em cartaz por seis meses com sessões lotadas. Depois viajou pelo interior do estado para ser apresentada duas vezes e o número de sessões se quadruplicou. Aqui no Rio, as salas estão sempre vazias. Sugerimos que era por conta do dia, terças e quartas, bem no início da semana. Ricardo respondeu que não sabia se era devido a isso ou se era pela cultura do humor do carioca.
De fato. Após ele falar isso, me lembrei de que ontem mesmo, após sair do trabalho, passei pelo Vivo Rio, e lá havia uma fila com um número considerável de pessoas para comprar ingressos pro Z.É. Somando-se a isso, Bittencourt falou sobre a diferente reação ao espetáculo entre esses dois públicos. Enquanto os paulistas encaram o texto como uma comédia, aqui no Rio tem o tom de tragédia. Ele analisa como se o carioca levasse pro íntimo, pro pessoal. Em uma cena, ele dá um endereço ali mesmo do Leblon e lá do palco tem a sensação de que todos tomam pra si, se identificam. Não sei qual o endereço ele utiliza em São Paulo, mas certamente a peça não é em algum lugar tão pequeno, onde a frequência seja tão bairrista. Em São Paulo os risos são constantes, certeiros, ele já sabe as pausas certas para ouvi-los e depois, seguir. E aqui, os risos são espaçados, imprevisíveis, deslocados. Perguntei a ele se tinha um tom de desespero por parte do carioca, ele não soube responder. Esse clima de enigma foi fascinante.
A cultura do riso no Rio é, de fato, muito forte. Os “stand-up comedies” estão sempre lotados, ficam bastante tempo em cartaz... O que há de mal nisso? Creio que nada. Chamar de teatro eu acho pesado, já que me parece mais um show, um talk-show. Já fui algumas vezes no Z.É., e é sim divertido. Não sinto mais vontade de voltar porque satura. Tem o seu valor, é um jogo rápido, os atores têm que ser ágeis, hábeis, inteligentes, mas nós, espectadores, temos é que ser apenas fugazes. Rimos, vamos embora. Humor é ótimo, seja o fino ou o mais escrachado. Você tende a sair sempre leve, relaxado. Mas porque optar só por isso? É tão difícil assim querer ir ver algo diferente? Fico pensando na tão falada hospitalidade do carioca. Que hospitalidade é essa que não consegue receber bem um espetáculo paulistano (vejam bem, aqui falo desta peça, não do geral)? É o famoso chopp repetido no bar, aquele “a gente se vê”, “passa lá em casa” e fica tudo por isso mesmo. Há uma dificuldade imensa de assumir a solidão, que existe.
Bom, acabei levantando muitas coisas. Sobre a peça mesmo, só falarei quando vir o final, já que ganhei ingressos para voltar. Mas adorei o apagão que me permitiu esse contato com as impressões do ator e me levou a pensar nessas coisas.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Estranhas Entranhas

Estranhas são as entranhas
que são tão familiares
insuportavelmente nossas
que se fossem pelos ares
aliviariam essa joça

Estranhas são as entranhas
que são tão irregulares
ora assim, ora assado
demasiadamente bipolares
fundem presente e passado

Estranhas são as entranhas
que gritam em meus ouvidos
ora anjo, ora diabo
a ruptura e o proibido
entre sina e inusitado

Estranhas são as entranhas
que confundem os sentidos
com meias finas se apresentam
te oferecem um vinho seco
e de ressaca te arrebenta

Estranhas são as entranhas
que bestialmente oscilam
sãos se tornam insanos
os firmes vacilam
pra vestirem-se humanos


Estranhas são as entranhas
que fatalmente te incitam
à covardia cotidiana
de não poder vestir a roupa
de uma vida mais humana

Estranhas são as entranhas
que uma hora te dão direito
de poder estufar o peito
e num girar de ponteiro
te revelam um defeito

Estranhas são as entranhas
que se aqui te sabotam
ali os fantasmas enxotam
fazendo crer que a vida é uma festa
e que vivê-la é o que nos resta

Estranhas são as entranhas
que te levam a loucura
numa angústia desmedida
de pensar se se tem cura
dessa coisa chamada vida

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Meu analfabetismo científico


Eu nunca fui uma boa aluna em Ciências. Tinha notas regulares e achava muito chato saber todos aqueles nomes de doenças. Na quinta série, me lembro bem do professor César desenhando no quadro negro uma célula gigantesca ilustrada por várias cores de giz. A intenção dele era nos apresentar os lisossomos, ribossomos e todas as funções dos componentes celulares. O entusiasmo dele ao apresentar a célula, num primeiro momento, foi contagiante. Mas depois, tenho que confessar, foi frustrante. Passei o ensino fundamental inteiro sem entender xongas sobre células. Tinha decorado cada função daqueles desenhinhos para escrever nas provas. E não tinha coisa mais entediante que passar o fim de semana “estudando” aquelas coisas. Era tudo muito abstrato, eu não entendia absolutamente como funcionava aquilo dentro do corpo humano.
Pois bem, segui nas decorebas. A biologia do ensino médio foi um pouco mais interessante. Tive um professor mais sensível às dificuldades de compreensão da turma. Ele era mais sintético e ao mesmo tempo mais explicativo. Traduzia aquela linguagem abstrata. Mas, na minha cabeça, já era tarde pra gostar daquilo. Eu já sabia o que queria fazer da vida e aquela era só uma etapa que eu tinha que cumprir. Foi uma dessas besteiras que fazemos quando tomados de uma certeza dura e inflexível.
Agora me vejo muito próxima desse mundo da ciência e seus mistérios, suas descobertas. E como boa parte das pessoas em nosso país, me sinto portadora de um analfabetismo cientifico. Outro dia, conversando com uma conhecida do francês, descobri que ela trabalha com polímeros. Perguntei a ela como tinha sido despertada a querer trabalhar com algo tão específico como polímeros. Ela me contou que fez um trabalho para a escola sobre espuma e se encantou pelos polímeros. Iniciamos um bate-papo sobre a falta de incentivo às pesquisas nas escolas.
Depois, encontrei uma outra amiga, que também fez francês comigo e acabou um mestrado em Ecologia agora. Ela me disse o quão sufocante é o mundo entre os biólogos quando se trata de conversar. Os nichos são muito fechados, um exemplo é a própria ecologia. Eles ficam limitados a um universo ecólogo. Há uma concentração maciça no micro, segundo ela.
Voltando ao papo referente ao incentivo nas escolas no que diz respeito à ciência, temos que admitir: ela tem ganhado mais espaço na mídia. A criação de eventos como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, além do crescente numero de prêmios oferecidos aos novos cientistas são políticas públicas importantes.
Mas é tudo muito irrisório ainda. Há muito que se desmistificar no ramo da ciência de modo que atraia futuros pesquisadores.
Por isso eu resolvi me alfabetizar em ciência. Em breve trarei uma reportagem sobre as tais células que tanto prometeram me encantar e acabaram por me frustrar. Prometo trazê-las de modo bem claro.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

As células e as recomendações


Pra retornar ao blog, trouxe dois textos. O primeiro é uma matéria da repórter de ciência do NYT, Gina Kolata. Ela escreveu o livro Gripe, que fala da gripe espanhola. O texto abaixo trata de uma constatação feita por médicos da Sociedade Americana do Câncer: os diagnósticos precoces dos cânceres de mama e de próstata talvez fizessem com que os pacientes se tratassem de modo excessivo, sem se ter uma confirmação do grau da doença.
Após ler a matéria, me lembrei de um texto do Luis Fernando Veríssimo que li na época da escola. Fiz uma busca e achei. Logo início ele descreve uma situação corriqueira e que acho muita graça: “Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas peraí, não exagere...” Se antes eu ouvia essas recomendações da minha avo e depois da minha mãe, hoje recebo dos “bons amigos” por e-mail. Ao menos uma vez por semana recebo um aviso no correio eletrônico: “beber refrigerante diet causa isso, dormir com celular embaixo do travesseiro é perigoso...”


Essa profusão de avisos e recomendações só nos faz criar mais possibilidades de acidentes, doenças e afins. A nossa mente engole tudo. O que vier pra ela é lucro. Coisas boas ou ruins. É como esta noticia do câncer. Bom, talvez meu organismo tivesse mesmo algumas células em destruição. E talvez eu nem soubesse disso se não fosse fazer alguns exames. Haveria a possibilidade dessas células destrutivas se desenvolverem, mas também não seria descartada a hipótese delas ficarem ali, quietinhas, sem me dar problemas. Ou sem me dar a chance de tornar isso um problema.

É evidente que eu não sou cientista, nem tenho aqui a pretensão de falar pra ninguém deixar de fazer exame, nem não ir ao médico, mas é importante pensar nos nossos próprios mecanismos. Enxergar quantas coisas fazemos com a gente mesmo pra se sabotar, ou pra criar problemas. Temos que ir atrás da vida, não da morte. Digo isso como meta, como esforço. Procurar a morte é algo inerente a nós, não esqueçamos a pulsão de morte. Mas, temos que ir a luta em favor da vida. Da nossa vida.

Exames são questionados por Sociedade Americana do Câncer
Publicada em 21/10/2009 às 22h04m
Gina Kolata - Do New York Times
NOVA YORK - A Sociedade Americana do Câncer, que durante muito tempo foi uma sólida defensora da maior parte dos testes para a detecção de tumores, agora afirma que os benefícios da detecção prematura de muitas formas da doença, em especial de mama e de próstata, seriam exagerados. Uma mensagem a ser veiculada no site da entidade a partir do ano que vem enfatizará que o rastreamento antecipado de tumores de mama, próstata e outros pode levar a um supertratamento de tumores muito pequenos e, ao mesmo tempo, deixar passar cânceres que seriam realmente letais.
" Não quero que as pessoas entrem em pânico. Mas admito que a medicina superestimou os exames "
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- Não quero que as pessoas entrem em pânico. Mas admito que a medicina superestimou os exames. Suas vantagens foram exageradas - afirma Otis Brawley, diretor médico da Sociedade Americana do Câncer.
Segundo a entidade, que trabalha com mais de dois milhões de voluntários, os testes para a detecção do câncer de próstata têm sido problemáticos e a organização não defende os exames para todos os homens. Muitos pesquisadores apontam que o método de detecção deste tumor, chamado PSA, não tem se revelado suficiente para evitar mortes por esta doença.
Há tempos existe um intenso debate sobre a mamografia. Estudos realizados entre as décadas de 1960 e 1980 apontaram que a mamografia reduziu a taxa de mortalidade por câncer de mama em até 20%. A decisão da entidade de reconsiderar sua mensagem sobre os riscos e os potenciais benefícios dos testes para a detecção foi estimulada em parte por uma análise divulgada nesta quarta-feira na revista da Associação Médica Americana.
O relatório indica um aumento de 40% nos diagnósticos de câncer de mama e quase o dobro do aumento dos pacientes diagnosticados em estágio inicial. Mas o estudo aponta um declínio de apenas 10% na detecção de pequenos tumores que se espalham para além da mama, gânglios linfáticos ou outras partes do corpo. O relatório explicou que a situação é semelhante à do câncer de próstata.
Se, nos casos de câncer de mama, os testes para a detecção da doença confirmassem a sua utilidade, outras formas que anteriormente só eram diagnosticadas tardiamente, geralmente quando as chances de cura já eram reduzidas, também deveriam ser detectadas precocemente, com maiores chances de cura. Um grande aumento no registro de cânceres em estágio inicial seria equilibrado por um declínio no registro de cânceres em estado adiantado. É o que ocorre nos cânceres do cólon e da coluna cervical, mas não no de mama e próstata.
Mesmo assim, os pesquisadores não acreditam que todos os testes de detecção devam ser deixados de lado. O que eles dizem é que, quando uma pessoa toma a decisão de fazer um exame desses, ela deve estar ciente dos seus riscos e benefícios.
Especialista teme que alerta confunda o público
Por ora, esses riscos não estão sendo enfatizados nas mensagens da Sociedade Americana do Câncer sobre a mamografia, que afirmam que o exame é "uma das melhores coisas que uma mulher deve fazer para proteger a sua saúde".
Outros pesquisadores, porém, como Colin Begg, do Centro de Câncer Memorial Sloan-Kettering, de Nova York, acreditam que a discussão em torno dos testes de detecção pode confundir o público e fazer com que as pessoas evitem alguns deles.
- Tenho medo de que as mudanças na forma como encaramos esses exames levem as pessoas achar que não devem fazê-los. Esses testes não se tornaram inúteis.

http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2009/10/21/exames-sao-questionados-por-sociedade-americana-do-cancer-770303175.asp

Luis Fernando Veríssimo - Simplicidade
Cada semana, uma novidade.

A última foi que pizza previne câncer do esôfago.

Acho a maior graça.

Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas peraí, não exagere...

Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos.

Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.

Prazer faz muito bem.

Dormir me deixa 0 km.

Ler um bom livro faz eu me sentir novo em folha.

Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois eu rejuvenesço uns cinco anos.

Viagens aéreas não me incham as pernas, me incham o cérebro, volto cheio de idéias.

Brigar me provoca arritmia cardíaca.

Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.

Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.

E telejornais os médicos deveriam proibir - como doem!

Essa história de que sexo faz bem pra pele acho que é conversa, mas mal tenho certeza de que não faz, então, pode-se abusar.

Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.

Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde.

E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda.

Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou muzzarela que previna.

Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, UAU!

Cinema é melhor pra saúde do que pipoca.

Beijar é melhor do que fumar.

Exercício é melhor do que cirurgia.

Humor é melhor do que rancor.

Amigos são melhores do que gente influente.

Pergunta é melhor do que dúvida.

Tomo pouca água, bebo mais que um cálice de vinho por dia, faz dois meses que não piso na academia, mas tenho dormido bem, trabalhado bastante, encontrado meus amigos, ido ao cinema e confiado que tudo isso pode me levar a uma idade avançada.

Sonhar é melhor do que nada.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

As necessidades dos tempos

Acordou atrasada, havia ignorado os reclames insistentes do despertador. Quando se deu conta de que horas eram, levantou –se apressada a fim de se aprontar e sair para o trabalho. Nesse meio tempo, entre tomar banho e pegar o ônibus, esqueceu-se de comer. Chegou, trabalhou, saiu do trabalho, pegou outro ônibus, e foi para um outro trabalho. Chegou, trabalhou novamente e apressou-se para pegar um coletivo até chegar à faculdade. Assistiu aulas, foi para casa, deparou-se com o livro do Freud que lia, pensou em ler um pouco. Desistiu. Tomou um banho e foi dormir sem comer, o cansaço e a preguiça não a deixaram preparar qualquer alimento.
O tempo para literatura, filosofia e até para palavras cruzadas se tornava cada vez mais escasso. Parou para pensar sobre o quanto pensar fazia falta. Todas as atribulações e funções corriqueiras que ocupavam o seu dia pareciam-lhe pouco. O tempo sempre foi uma questão. Desde os trovadores, passando pelos poetas e levado a sério pelos filósofos. A pressão que o tempo exerce sobre o humano, é irreversível. Para ela não era diferente. A compreensão histórica, aos olhos de Hegel, só pode vir quando o ciclo está chegando ao fim. A sabedoria subutilizada da coruja, que só vem ao anoitecer, é uma metáfora interessante. E realmente, ela e todo o ser que habita este planeta sofrem desse mal-estar de “viver” no presente, idealizando o futuro e reforçando o passado. Talvez assim também se dê a História. Vivendo um presente, que contempla o passado e molda o futuro.
Marx já acreditava que o caminho percorrido nos mostra para onde ir e que é a filosofia quem diz isso para a História. Seria muito ousado, ou talvez agressivo, que ela discordasse de Marx, pensador que se debruçou sobre os livros e que foi um grande estudioso da sociedade a fim de criar seu discurso, mas não poderia se furtar em expressar o que sentia. Sim, o que sentia. A contemplação humana que mais valia para ela era a dos sentidos. E suas sensações indicavam que a filosofia não mostra à História o caminho que esta deve percorrer. Isso, para ela, se daria de maneira inconsciente, a partir dos sofrimentos e necessidades dos humanos naquele contexto histórico. Seria de grande valia se pudéssemos, com certo distanciamento, pensar o que devemos fazer para sanar nossos males, nossas dores e as mudanças que são necessárias. Mas isso não se dá de forma racional, e sim pulsional. Dá-se, a partir de quando o calo começa a doer tanto no pé, de modo que precisamos arrancar os sapatos e arranjar novos deles, que sejam mais confortáveis. E estes provavelmente um dia também nos incomodarão.

*Textos Selecionados dos Alunos de Técnica de Reportagem
http://blogdoprofadilson.blogspot.com/