terça-feira, 25 de maio de 2010

Foguete e Um incansável pra lá de especial


Da última vez que estive aqui, falei de faxina. Acho que consegui fazê-la de certa forma. E daquele tempo pra cá, me joguei nas aventuras, andei por lugares novos, revisitei modicamente outros e tentei estabelecer mudanças. O óbvio: me sujei após a limpeza. Ainda bem. Esse era o propósito. Mas estou aqui porque é tempo de faxina novamente.
Tenho impressão de que quando tacamos as tralhas velhas pela janela, aquelas roupas surradas, aqueles sentimentos carregados e aquelas lembranças que já não fazem mais sentido, somos tomados por uma ânsia de viver o novo, de pôr roupas novas no armário, de experimentar sensações outras e de desenhar novos acontecimentos que futuramente serão lembranças.
Como faz parte de mim um radicalismo difícil de medir, eu não sei o que está compreendido entre o 8 e o 80. Vivo uma espécie de lançamento de foguete. O último texto era a contagem regressiva. E de repente fui pro espaço, rodopiei, senti os prazeres de estar em outras terras e agora estou aterrissando. Acho que pra pensar o saldo da minha viagem.
Sinto que essa ida até o espaço foi interessante. Mas tô aqui, na Terra. Dar conta desse lançamento é o que está por vir. É tempo de limpeza!





Dando uma espiada no twitter, vi o link desta matéria no blog da Cora Rónai sobre o lançamento do livro do Sérgio Britto. Nesse tempo de faxina, há uma baixa de energia, fico concentrada em questões e é natural que eu fique xoxa em relação às minhas atividades, desejos e realizações. Parece que quero resolver coisas de ordem mais visceral e acabo dando menos importância ao que considero, erroneamente, corriqueiro. Aí a gente dá de cara com uma história dessas [Memórias de um incansável] e dá uma revigorada.
Minha primeira vaga lembrança de Sérgio Britto é de Xica as Silva, novela da Manchete a qual eu assistia escondida. Depois vi uma coisa ou outra que ele fez na TV, até descobri-lo de fato no “Arte com Sérgio Britto”. Quis saber um pouquinho sobre sua passagem pelo teatro, pelo teleteatro, enfim... Não me aprofundei, mas saquei que aquele era um cara especial. Sempre que dava, assistia o programa na TV Brasil. Assisti “A última gravação de Krapp” e "Ato nº 1"", ambas do Beckett, com ele. Talvez a distância do texto para a minha realidade, ou a minha falta de compreensão tenham feito com que a peça não me afetasse. Mas seria impossível não sair sensibilizada do teatro vendo aquele senhor de então 86 anos, ali, sozinho, contando 2 histórias em cima de um palco, sem camisa em uma das cenas, mostrando a imperfeição de seu corpo flácido, entregue ao que mais ama fazer. As limitações de seus movimentos (fazia pouco tempo que tinha saído do hospital após ser internado com pneumonia) eram suavizadas pela sua experiência. A coragem de insistir, de estar ali realizando é de uma beleza incrível.

Hoje ao ler o texto da Cora, revisitei essas sensações que tive ao ver Sérgio Britto no palco. O mestre vivo do teatro, que é taxativo com o bissexualismo (“Para mim, se dizer bissexual é como esconder o homossexualismo que você não quer admitir, -- escreve. – Sempre me senti homem o bastante para assumir opções e atitudes na minha vida.”), mesmo quando fala algo do qual eu discordo, me encanta. Eu poderia aqui contra-argumentar essa afirmação categórica, no meu ponto de vista. Mas hoje é momento de reverenciá-lo, não de contestá-lo.

Pode parecer irônico que alguém que passou pela experiência da tentativa de suicídio, resista tanto à morte como nesse processo belo de reinventar-se ao escrever um livro aos 86 anos. É alguém que quer complicar-se com a vida, quando nessa idade vai se meter em lançamento, divulgação, entrevistas... Eu só posso achar que ele passou por muitos processos, muitos momentos de revisão e faxina, e ao mesmo tempo de entregar-se aos desejos a ponto de ter repertório para escrever 416 páginas, fazer 386 peças para o teleteatro e inúmeros outros trabalhos. Esse é um exemplo de mestre. Exemplo de amor à vida, mesmo quando o que se deseja é a morte. Esse é incansável, e um incansável pra lá de especial.