quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Inveja do cigarro

Eu já tentei. Não tive sucesso. No dia seguinte a garganta ficava seca, na hora as mãos ficavam fedorentas e o tal prazer eu não encontrei. Não tinha muita habilidade, é verdade. Hoje fico incomodada se alguém lança uma baforada na minha cara. E não há nada no mundo que tire mais o meu humor - além de acordar cedo - como sentir a fumaça de alguém fumando pela manhã do meu lado. Não sei se esse lance de ser de manhã é psicológico ou porque ainda estou de mau humor por ser antes do meio-dia.

Mas o fato é que mesmo com todas essas ressalvas que fiz questão de antecipar, não posso negar: tenho uma inveja descomunal de quem fuma.

É evidente que eu sei de todos os malefícios e já perdi um avô e um tio com câncer de pulmão. Mas o cerne de minha inveja é tocado quando ouço um:"vou ali embaixo dar uma relaxada e fumar um cigarrinho".

Acho de uma beleza sem igual quando alguém se dá aquele prazer no meio do dia, do trabalho ou de qualquer outra atividade.

Parece que nada é mais importante do que seu próprio prazer.

Tudo pode esperar. Nada é tão urgente que não possa aguardar que eu vá ali, dê um trago e volte ao ofício.

Acho lindo. De uma poesia infinita.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Bolhas de sabão


sonhei que era criança e
então me perguntavam:
qual vai ser sua profissão?
no que respondi:
serei mestre em bolhas de sabão
bolhas de sabão? -
questionou indignado o rapaz
bolhas de sabão, sim senhor.
viajarei de praça em praça
e terei como missão
espalhar por todo o mundo
milhões de bolhas de sabão.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Tudo que não invento é falso

"A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios.". Manoel de Barros

O grande poeta das miudezas e pequenas coisas partiu hoje, mas deixou muitas insignificâncias para tornarem o nosso viver mais rico e interessante. Manoel falou desde a incompletude do homem até sobre formigas, árvores e miudezas em geral.

"Só dez por cento é mentira", um dos melhores documentários que já assisti sobre alguém que ainda estivesse vivo, é de uma delicadeza sem fim. Mostra Manoel na sua função de operário das palavras, ali, na simplicidade de quem busca apenas o prazer em transformar o mundo em poesia. Exercitando diariamente o contato com a palavra, como em qualquer trabalho burocrático. A diferença entre as duas "burocracias" é que Manoel só se importava com aquilo que é considerado insignificante. Aí está o grande barato de sua poesia.

"A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas"

Esse é de uma lindeza sem fim. Não podemos lamentar. Foram 97 anos de vida, mais de sete décadas de dedicação à palavra. Deixou para gente uma obra vasta, um alento para cada dia.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Dia de Fúria

Que atire a primeira pedra quem nunca teve um Dia de Fúria. Assim, com maiúsculas, por que quando acontecem são uma espécie de entidade. São nesses dias em que você é colocado à prova, sabe-se lá por quem - pelo universo ou pela sociedade fazendo pegadinha - seu humor e capacidade de viver coletivamente são testados.

Recentemente vivi alguns desses. Faz parte da adaptação em uma cidade enorme cujas longas distâncias aliadas ao desconhecimento do espaço dá uma desesperada. Principalmente quando você precisa cumprir horários. Justamente por estar vivendo essa etapa agora é que me identifiquei tanto com Relatos Selvagens, em cartaz nos cinemas.

Sobretudo com o Dia de Fúria do personagem de Ricardo Darín, que tendo que atender tantas demandas de trabalho e família é pego pela indústria de multas da prefeitura, tem o carro rebocado e se vê diante de uma burocracia sem fim para conseguir buscar o automóvel. Tudo isso no aniversário de sua filha, que aguarda o bolo que ele ficou de levar para cantar parabéns. O que acontece depois? Vale a pena conferir.

O lance é que ele acaba preso por perder o autocontrole em uma situação que poderia ser banal caso não tivesse acontecido em um dia de fúria e a paciência do personagem em questão já tinha ultrapassado o limite.

E é justamente nessas situações-limite que nossos piores sentimentos vêm à tona. Explico: eu muitas vezes já morri de vontade de andar com pedrinhas no bolso para atirar nos ônibus que ignoram o meu sinal. É evidente que eu não vou fazer isso porque eu não quero machucar ninguém e, muito menos, ser presa. Mas não posso mentir, a vontade vem e vem grande.

É uma linha muito tênue a de manter o controle e aguentar o tranco e surtar e virar o Bombita, personagem de Darín. Uma luta diária eu diria. Ainda bem que existe música e a gente liga o aplicativo no telefone e a fúria passa.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Caro (a) leitor (a)

Bons, velhos, raros, porém assíduos. Esses são os leitores que me acompanham nessas linhas truncadas, às vezes tão pouco explicativas, em outras, apenas em caráter de desabafo. Não faz mal, meu compromisso aqui é não ter compromisso. Escrevo quando quero, da maneira que quero, vez por outra com erros que só vou me tocar meses depois quando resolvo enfim revisar o que parei pra escrever. Aqui não me levo a sério, não me cobro e não tenho que explicar nada pra ninguém. Nem sobre forma, tampouco conteúdo. É apenas exercício da escrita por ele mesmo.

Visto que sou uma metamorfose ambulante e que escrevo aqui desde 2011 (!!!!!) - ainda que por muito tempo com textos esporádicos - me preocupo quando a curva do Google analytics me informa que em uma única hora tive um pico de 44 acessos vindos de um único leitor. Para ser sincera, me assusta um pouco.

Quem seria esta criatura que gastou sua hora para ler meus rabiscos nesta página online? Esta é a primeira indagação. Se você está aí, me lendo agora - ou talvez o leitor em questão tenha caído aqui indicado pelo nosso oráculo contemporâneo, tenha gasto sua hora e nunca mais volte aqui - digo, caro leitor, que você pode ter verificado a profusão de abobrinhas as quais me dediquei ao longo desses últimos três anos. Por isso peço compaixão com uma bobagem ou outra que aqui eu tenha escrito.

No mais, fico orgulhosa das minhas bobagens. Justamente por não ter que me levar a sério, por ter a oportunidade da informalidade e do descompromisso, é que prezo tanto esse espaço pra escrever quando me der na telha.

Sabendo que você, no ímpeto de ler essas palavras, se esforçou para manter-se em frente à tela - do seu computador, tablet ou smartphone - agradeço pela paciência e peço que, assim como eu, não leve tão a sério o conteúdo deste blog.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

O dia em que peguei o elevador com Jô Soares

Hoje eu peguei o elevador com o Jô. Eu voltava do lanche, apertei o botão distraída, entrei e levei alguns segundos para cair a ficha.
Aquele que foi um dos comediantes com maior repercussão no país e atualmente entrevista as nossas maiores personalidades estava ali, na minha frente, impecável com seu terno, pronto para gravar seu programa.
Mas não havia naquele baixinho (sim, ele tem a estatura mais baixa que a minha) aquela alegria de sempre.
Jô falava com uma mulher, creio eu que seja alguém da sua produção, e estava com os olhos cheios d´água.
Na hora me lembrei da perda do seu filho na última sexta-feira.
O tom solene que havia no elevador me fez baixar a cabeça e não dizer nada.
Mas a sua irreverência me impressionou.
Como se não quisesse que eu fosse embora com aquela impressão de sua tristeza, puxou assunto:
- Está bom esse suco?
- Está ótimo - eu disse - é de melancia, você quer?
- Não, obrigada, acabei de tomar um suco de melão enorme agora.
- Estava bom?
- Estava ótimo! Opa, chegamos. Vocês seguem?
- Vamos seguir.

Só sei que foi assim.
Um pouco depois, dei uma busca e achei esse vídeo. Não preciso discorrer sobre. Tem emoção suficiente para quem é de se emocionar.

http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/jo-abre-o-programa-de-forma-diferente-e-faz-uma-homenagem-ao-filho-rafael/3740735/