terça-feira, 24 de março de 2015

Novo conceito de saudade

Tenho aprendido um novo conceito de saudade.
Não é aquele tradicional que aparece quando a pessoa ao lado no metrô usa o perfume que te remete a alguém que você não vê e sente falta disso.
Nem aquele em que você sente uma vontade louca de ligar para alguém, ouvir a voz e falar de volta.
Tampouco aquele em que você sente a falta física, o contato diário com alguém.
Já vivi todos esses e sei bem como são.
Meu novo sentimento de saudade aconteceu assim.
Depois de seis meses vivendo em outra cidade, percebo que sinto saudade do lugar - da cidade - daquele espaço físico - daquele jeito de andar de chinelo -
de pegar o metrô e saber de olhos fechados aonde ele vai dar.
De ainda ter os nomes das ruas decorados, de saber que a chuva caiu - alagou tudo - espera um pouco aqui e daqui a pouco fica tudo bem.
Saber uma cidade é algo muito louco.
E sentir saudade dela - de uma maneira ainda maior quando se está nela - é algo inédito.
Rio foi a terceira cidade onde morei.
Mas para mim é estranho que só ela me cause esse sentimento.
Visito São Pedro e Araruama porque tenho família lá.
São cidades litorâneas.
São Pedro tem as características exacerbadas de uma cidade do interior brasileiro. O coreto na praça, a Igreja Matriz, o canhão (da lenda que diz que quem senta nele, nunca
mais sai da cidade; lenda essa que pude derrubar).
Araruama tem a maior laguna - que sempre chamamos de lagoa equivocadamente - hipersalina do mundo.
O cheiro de maresia, o sal que fica na pele, tá tudo ali na entrada da cidade.
É só sair do Centro e em 15 minutos você está no mar de Praia Seca.
Visitar as cidades de São Pedro e Araruama não é ruim.
Mas nunca senti delas a saudade que sinto do Rio.
Isso deixando de lado as relações pessoais.
Falo apenas da cidade.
Essa saudade estranha nunca tinha sentido.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Caro Cuenca

Escrevi esse texto logo após o J. P. Cuenca publicar esse aqui na Folha: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopaulocuenca/2015/02/1585060-adeus-rio-de-janeiro.shtml
 
Não tinha publicado ainda. Mas ontem o encontrei numa festa na República - o que por si só já contradiz o meu texto -. Quase nunca tenho razão sobre nada. 
 
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Soube através de seu texto na Folha de S. Paulo que você está vindo para a terra - outrora - da garoa. Seja bem-vindo. Ao ler suas linhas, pensei: o que devo contar para ele? Não vai dar para ser pessoalmente, como daquelas três vezes em que a gente se esbarrou no Rio. Em uma delas inclusive - você não deve se lembrar - nós fomos apresentados por uma amiga em comum, que te conhecia eu não sei de onde. Foi ali no Jóquei, tava rolando um show.

Eu diria que é quase impossível a gente se encontrar por acaso por aqui. E isso, meu caro, é do que tenho mais saudade. Você deve saber do que estou falando. Daquela ida despretensiosa à Praça São Salvador que te faz voltar pra casa não sem antes ter cruzado com pelo menos uns cinco conhecidos e trocado uma ideia - na maioria das vezes superficial, você também sabe - com todos eles . Por aqui isso será bem difícil. Mas nada que você não sobreviva.

O que eu tenho de mais importante para te dizer sobre São Paulo é: talvez aqui você conheça gente de toda parte, o que é excelente. Ser forasteiro em qualquer cidade - como eu fui no Rio - te põe em contato com outros forasteiros, como aqui encontrei os do interior paulista e os paranaenses, e te faz criar laços com eles. Descobri que não é uma exclusividade do carioca. O paulistano dificilmente te chamará para casa dele e o incluirá em sua rotina. Repito: assim como no Rio, também quem nasce por aqui já tem sua vida, os amigos do colégio, do bairro e provavelmente só vão tomar um chopp com a galera da firma e c'est fini.
O excesso de educação do paulistano me incomoda, os caras são cheios de dedo até para xingar. Repare você no não raro 'Orra' que as criaturas falam em vez do nosso porra. Encontrar um carioca em São Paulo, para mim significa poder falar muito palavrão. Em contrapartida, há algo incrível: ninguém concorda com você para te agradar. Se discordam, expõem seu ponto, argumentam, e ninguém deixa de ser amigo por conta disso. A discussão fica mais ampla. Muitos vão te questionar o porque de você ter deixado aquela cidade linda em que a qualidade de vida é tão melhor com a presença do mar, mas o preconceito com o carioca é velado apenas por três encontros. Aquela máxima de que é apenas um lugar pra passar férias, onde não se trabalha, onde só se vive na praia e etc. Enche um pouco o saco tanto quanto os deslumbrados acham que aqui ó se vive em exposições, teatro e restaurantes bacanas. Via de mão dupla.
Não sei se você viverá em um ambiente 'firma', provavelmente não, então você se livrará dos chatos que ainda fazem piadas com sotaques. Eu tive que aprender a zoar o "meu" depois de passar 4 meses sublimando minha vontade de mandar eles irem à merda. Descobri que a melhor forma é sacanear de volta quando zoam o meus axfalto ou qualquer palavra com o nosso característico chiado. Isso pode parecer coisa de séculos passados, mas a globalização não fez ninguém deixar de ter 10 anos de idade quando o assunto é sotaque.
Aproveite o Centrão e toda a sua beleza e as oportunidades de comer comida de todo tipo. Os serviços não são essa oitava maravilha e vez em quando você pode se irritar com um taxista também. Gente é gente em todo lugar e sacanagem/ malandragem não é exclusividade do nosso estado. Mas você verá muita gentileza, como o motorista que outro dia me pegou com compras no supermercado, aguardou que eu fosse até a garagem do prédio, buscasse o carrinho, pusesse as compras e fosse embora. Isso sem nenhuma bufada, nem sinal de mau humor.

São Paulo é incrível, sim. Há muito o que se descobrir por aqui. Tem música boa toda semana, teatro, cinemas incontáveis e o que para nós cariocas é fundamental: inicia-se um período de explorar o lado de fora, as praças, as festas ao ar livre, e em breve, no carnaval de rua, que há poucos anos vem crescendo timidamente e esse ano promete bombar. Algo incrível nessa cidade com arquitetura bacana, mas feita, de um modo geral, para ficar do lado de dentro. No mais, o grande lance é não se deixar levar pelo ritmo de tensão/preocupação/ansiedade que a cidade pode tentar te imprimir. Vivendo e trabalhando em horários alternativos, é possível ser bem feliz. Seja bem-vindo.