sexta-feira, 26 de junho de 2009

Na minha frigideira

“Morrer é ridículo. Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa procurar aquele documento, que você esqueceu onde colocou, fazer revisão no carro, e no meio da tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar? Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer, a troco de quê?
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, juntas com algumas contas atrasadas. Deixando para os parentes o dever de arrumar suas tralhas, a mexer em suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira, mas que ninguém era capaz de perceber. Segredos que ninguém conseguiu jamais desvendar, mas que agora todos ficarão sabendo, só porque você morreu. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.
Quando a gente tem mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser até bem-vindo, pois já não temos mais as ilusões que nos fazia sempre seguir em direção de alguma coisa, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que não há mais quase nada guardado nas gavetas. Tudo bem, é hora de ir embora... Mas se morremos quando ainda caminhávamos? É um absurdo, uma grande sacanagem, uma transgressão, que desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça. Por isso viva tudo que há para viver, enquanto possível for..”

Pedro Bial


“Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um voo da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de oferecer a melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o avião mergulha para a morte no meio do Oceano Atlântico.
Sem que você perceba, ou possa fazer qualquer coisa a respeito, sua vida acabou em uma bola de fogo ou nos 4.000 metros de água congelantes abaixo de você, naquele mar sem fim.
Você que tinha acabado de conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de ouvido para assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda taça de vinho tinto com o cobertozinho do avião sobre os joelhos.
Talvez você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que tudo terminava ali. Talvez você nem tenha tido a chance de se dar conta disso.

Fim.

Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios. Como se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou de expandir os negócios.Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda incapacidade de expressar esse
amor. Seu medo da velhice, suas preocupações em relação à aposentadoria. Sua insegurança em relação ao seu real talento, às chances de sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras a cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição você depende mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você infeliz,tendo deixado de amá-lo.
Seus sonhos de trocar de casa, sua torcida para que seu time faça uma boa temporada.Suas noites de insônia, essa sinusite que você está desenvolvendo, suas saudades do cigarro.Os planos de voltar à academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo) dos amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as dezenas de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda para resolver assim que tivesse tempo.
Bastou um segundo para que tudo isso fosse desligado. Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe pesou toneladas tenha se apagado como uma lâmpada que acaba e não volta a acender mais. Fim.

Então, aproveite bem o seu dia.
Extraia dele todos os bons sentimentos possíveis.
Não deixe nada para depois.
Diga o que tem para dizer.
Demonstre. Seja você mesmo.

Não guarde lixo dentro de casa.
Não cultive amarguras e sofrimentos.
Prefira o sorriso, dê risada de tudo, de si mesmo. Não adie alegrias nem contentamentos e nem sabores bons. Seja feliz. Hoje. Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança.”
“No fundo, só existe o hoje.”


Coincidentemente li esses dois textos hoje. O primeiro por conta da lamentável morte de Michael Jackson, o segundo recebi de um amigo após alguns lamentos confessados. Quanto ao Jackson, muita gente já falou. Já li em blogs, em sites, gente falando na Tv. O cara era a representação do estranho que nos é familiar. E sobre isso, há um texto ótimo em: http://cezarocarazza.blogspot.com/
Ontem, eu confesso que fiquei chocada. Minha amiga chegou lá em casa e disse rindo: "Michael Jackson morreu." De noite é a hora de contarmos novidades do dia e sempre fazemos piadinhas. Ela contou rindo e eu falei: “Tá me zoando?” Mas só depois eu compreendi aquele riso. Era um riso de incredulidade, de desespero. Michael era um daqueles caras que eu nunca achava que ia morrer. Normal seria ligar a Tv e saber que Amy Winehouse se foi. Talvez ainda assim seria um baque. A morte é mesmo uma piada. Sem graça, mas é. E esse corre-corre, a nossa lista de desejos e afazeres pra amanhã, tudo isso se torna ridículo.

A minha frase do dia é “foda-se”. Sempre andei “dubitando” sobre o significado do foda-se!
“Dubitando ad veritem pervenimus”. Duvidando, chegamos à verdade. Se a frase de Cícero, que inspirou a Descartes a doutrina sobre a dúvida, é “verdadeira” ou não, não sei, mas põe em questão o que passo: passeio entre os dois lados do “foda-se”.

Sempre acho que o que nos diferencia de um cachorro é a cabeça. Há cachorros bem inteligentes, é claro. Mas os mais primitivos fazem xixi onde querem, por exemplo. Se estou sentada na cadeira do trabalho e sinto vontade de urinar (que termo velho), é óbvio, meus caros, que levantarei e caminharei ao banheiro. Esse pode ser um exemplo bem patético, mas pra mim funciona. Esse lance de fazer o que estou com vontade sem pensar nas conseqüências pode ser muito bom, mas às vezes pode render problemas.
Já dizia Leminski:

“que tudo se foda
- disse ela
e se fodeu toda.”

Adoro esse poema. Leminski sabia traduzir em poucas palavras boas ideias, e principalmente os sentimentos. Mas, em contrapartida, se pensamos muito, amanhã pode ser tarde, como bem nos lembram os dois textos acima. Aí fico pensando: fifty-fifty! Temos 50% de chances de nos darmos mal e 50% de nos darmos bem ao ligar o foda-se. Às vezes podemos machucar as pessoas, e o pior de tudo: machucar a nós mesmos. E que dilema.
“No fundo só existe, hoje.” Me diz o moço do segundo texto. Mas peraí, hoje não é o amanhã de ontem?! As cagadas de ontem refletem hoje. “O Grande Mestre” diz que não há o depois. Depois é só pra fazer análise. Aquiagora basta. O depois vem só depois. “Suspender a culpa vem só depois”. É, talvez. O misto de sensações é angustiante. Escolher o caminho é difícil. Talvez Cícero estivesse enganado. “Dubitar”não me trouxe a verdade, só mais coisas pra pensar.
Tudo isso em questão é só uma grande besteira que se passa no meu coração. E essas palavras só pretendem dar conta disso. A verdade pouco importa. O óleo tem que ser colocado aqui dentro. Da minha frigideira, do meu coração.

4 comentários:

  1. Isabela, vim na sua pista, depois que vc deiou um comment no Sensível desafio...Gostei do que vi e gostei muiito de saber que vc tem tb um blog chamado "Que Goze o Insconesciente", que coisa mais criativa... Um beijo!!!

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  2. Desculpe os erros de digitaçao aí em cima, às vezes meus dedos são mais rápidos que meus pensamentos..rs. BJ!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. os dois textos completamente se encaixam naquela conversa esquisita sobre o amanhã há alguns dias atrás aqui em casa.

    e disso tudo eu concluo que temos que aprender a viver. viver e só.
    sem pensar no que vai acontecer daqui em cinco minutos ou no que vai acontecer se pegarmos outro onibus, mudarmos de caminho.
    sem pensar em consequências, gastamos muito tempo pensando nelas.
    é difícil? muito. mas temos que tentar.

    (:

    Paula Siems Giolito

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