quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Minha paixão por Nelson


Reacionário, polêmico, jornalista, cronista, dramaturgo, homem com frases de impacto, escritor, tricolor, pernambucano. São muitos os adjetivos atribuídos àquele que neste mês ocupa os cadernos de cultura dos jornais de todo o país, os programas de TV especiais e homenagens de toda sorte, seja com sessões de teatro ou cinema. Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico, como foi denominado certa vez, é amado e odiado. Não importa. Desperta sentimentos intensos em quem lê suas declarações.

Não conheci Nelson, nem poderia conhecê-lo. Mas ainda assim me assusto com a força que o seu texto tem de materializá-lo em nossa frente. Tenho sempre a impressão de que ele está ali, soprando no meu ouvido aquelas palavras que saem da página e se transformam em som.

Lendo uma declaração do Drummond outro dia, eu me peguei pensando: caramba, como eu defendo o Nelson, levanto a sua bola sem nem ter sequer o encontrado uma vez na vida. E pelas declarações, ele parecia, em certos casos, um sujeito brigão, radicalmente passional. Talvez lendo o autor em vida não tivesse por ele tanta paixão.

Mas aí é que está o grande lance. Nelson era um apaixonado. Exaltava-se, falava e escrevia com veemência, beirava a infantilidade, certas vezes, quando levava adiante uma birra com um fulano ou um ciclano. O fato é que este pernambucano, que começou a ver as atrocidades da vida quando ainda jovem se tornou repórter de polícia, passou por poucas e boas - pegando empréstimo ao dito popular.

No trecho de “O ex-covarde”, um de seus textos mais bonitos, na minha opinião, ele resume sua bagagem:

“Tive medo, ou vários medos, e já não os tenho. Sofri muito na carne e na alma. Primeiro, foi em 1929, no dia seguinte ao Natal. Às duas horas da tarde, ou menos um pouco, vi meu irmão Roberto ser assassinado. Era um pintor de gênio, espécie de Rimbaud plástico, e de uma qualidade humana sem igual. Morreu errado ou, por outra, morreu porque era "filho de Mário Rodrigues". E, no velório, sempre que alguém vinha abraçar meu pai, meu pai soluçava: - "Essa bala era para mim." Um mês depois, meu pai morria de pura paixão. Mais alguns anos e meu irmão Joffre morre. Éramos unidos como dois gêmeos. Durante 15 dias, no Sanatório de Correias, ouvi a sua dispnéia. E minha irmã Dorinha. Sua agonia foi leve como a euforia de um anjo. E, depois, foi meu irmão Mário Filho. Eu dizia sempre: - "Ninguém no Brasil escreve como meu irmão Mário." Teve um enfarte fulminante. Bem sei que, hoje, o morto começa a ser esquecido no velório. Por desgraça minha, não sou assim. E, por fim, houve o desabamento de Laranjeiras. Morreu meu irmão Paulinho e, com ele, sua esposa Maria Natália, seus dois filhos, Ana Maria e Paulo Roberto, a sua sogra, D. Marina. Todos morreram, todos, até o último vestígio.

Falei do meu pai, dos meus irmãos e vou falar também de mim. Aos 51 anos, tive uma filhinha que, por vontade materna, chama-se Daniela. Nasceu linda. Dois meses depois, a avó teve uma intuição. Chamou o Dr. Sílvio Abreu Fialho. Este veio, fez todos os exames. Depois, desceu comigo. Conversamos na calçada do meu edifício. Ele foi muito delicado, teve muito tato. Mas disse tudo. Minha filha era cega.”


Eis que todas as dores transformaram o escritor, como ele mesmo definiu, em um ex-covarde. Não tinha medo de falar o que pensava e tinha, devido à sua experiência, a capacidade de enxergar a realidade.

Por isso, acredito que suas frases famosas como “toda unanimidade é burra”, “nem todas mulheres gostam de apanhar, só as normais; as neuróticas reagem” ou cada expressão fora de contexto que nos dê a impressão de que ele era polêmico ou machista - o que de fato poderia ser - são reducionistas. A genialidade de Nelson estava na sua capacidade de enxergar as minúcias que caracterizavam as pessoas, os tipos, e a sua facilidade em descrever com clareza e sonoridade as questões atemporais humanas retratadas em “A Vida Como Ela É”. Suas peças são apenas um recorte do seu texto. As suas crônicas demonstram o seu brilhantismo publicado a cada dia nos jornais.





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