sábado, 25 de julho de 2009

Encontro com o espelho

Tinha nojo de si. Seu desmazelo causava repugnância. Mas o fato não era recorrente. Parecia que não se prendia a detalhes. O próprio desmazelo era encarado como natural. Os cabelos despenteados, as coisas jogadas pelo cômodo e os alimentos fora da validade na dispensa não eram uma preocupação. Vivia assim, apenas. Até que se deparava com bichos nas comidas passadas. E percebia que não almoçava há dias. Três ou quatro? Não lembrava. Se já tinha comido algo naquele dia? Também não tinha recordação. O mundo a chamava, o tempo corria, passava, às vezes não sentia. Certa vez ouviu de um poeta: “As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”. Tomou a frase pra si com voracidade. Descobriu que tinha dentro dela uma tenacidade nunca antes revelada. A preguiça sempre foi uma nuvem. Cobria o que havia de mais interessante.

Quando depois de meses notava que as roupas caíam de seu corpo, caía também a ficha. O desmazelo era desmascarado e as imperfeições vinham à tona. Sentia um desprezo desmedido por si. Que desamor era esse? Odiava-se intensamente pela falta de amor a si. Superegoicamente martirizava-se pelo simples fato de não se amar. Mas tinha dessas explosões pontualmente. Depois de umas chicotadas voltava pra sua teia. Pra sua trama sem fim. E repetia. Tudo de novo. E de novo.

Um dia encontra um sábio. Não daqueles ermitões, ou monges ou qualquer ser recluso que abdique de aventuras para se dedicar ao distanciamento. Não. O sábio era desses que come carne, bebe cerveja, lê, estuda, trabalha, ama, odeia, briga. Desses bem humanos mesmo. As palavras proferidas vinham de uma sabedoria de quem experimentou a vida. E naquele caso, de quem experimentou o desmazelo. Eis que todo o discurso exposto pelo sábio botou em xeque a nossa cara. Perguntou se todo aquele ar blasé consigo mesma e com as coisas mundanas ao seu redor não era um narcisismo exacerbado. Daqueles de que o ego se garante mesmo com os cabelos despenteados, as roupas surradas e as unhas roídas. Sentiu-se estranha. Toda a construção que fizera e tudo o que pensava sobre si fora derrubado em um simples chopp. Será? Não negou. Aceitou a possibilidade. Entrou em dúvida. Podia sofrer sim de um narcisismo desmedido. Mas podia também viver um conflito intenso de amor e ódio a sua imagem.
Pôs-se a pensar. E o desmazelo aprofundou-se. Não havia naquele tempo espaço pra comida, maquiagem ou cortes de cabelo.

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