terça-feira, 26 de junho de 2012

Dois Rios

Há quem diga que um bom livro é aquele responsável por uma leitura provocante e ininterrupta. Outros dizem que uma boa obra nos deixa com pena de que o texto acabe nos fazendo reservar uma página para depois. Assim o livro não acaba e podemos passar mais tempo em sua companhia. Vivi este paradoxo com “Dois Rios”, de Tatiana Salem Levy. Tenho lido livros de temas variados, mas nenhum me pegou de jeito quanto este.
A narrativa simples complementa a trama complexa, bem estruturada e capaz de afetar o leitor. A autora consegue trazer à tona, com um texto conciso e envolvente, o quanto podemos nos tornar escravos dos nossos sintomas e, por isso, paralisar nossas vidas. Culpa, desejo, família, imaginação, passado, futuro e questionamento sobre o presente. Tudo está lá.
O retorno ao passado, ao início da história, ao ponto onde a coisa emperrou pode ser o ponto de partida para a sua engrenagem deslanchar.
O óleo de Joana, uma mulher de 33 anos que vive uma vida sem graça e dolorosa na companhia de sua mãe, vem através deste retorno. A obsessão de Aparecida vai se revelando cada vez mais opressora à sua filha. Joana, por sua vez, diante da culpa que sente pela morte do pai e o desmoronamento que o fato ocasionou em sua família, acolhe a opressão da mãe e tem uma vida enfadonha e pesada. A falta que sente de seu irmão gêmeo Antonio e de sua amizade a atormenta. Enquanto ela tem uma vida rotineira em Copacabana, ele caiu no mundo trabalhando como fotógrafo, deixando a casa e a história para trás.
As lembranças de Dois Rios, vilarejo em Ilha Grande. na cidade litorânea de Angra dos Reis, no interior do Rio de Janeiro, povoam a mente de Joana. As promessas, as estrelas, o gosto de sal e banho longo. O cheiro de maresia parece fresco em sua memória. Em contrapartida, nas suas andanças pelo mundo, Antonio afasta de sua mente qualquer lembrança.
O ponto de interseção, se é que existe este elo que perdura na imaginação de Joana, se chama Marie-Ange. Uma francesa da Ilha de Córsega que sacudiu as estruturas da personagem principal e a fez sair de seu quarto para ver o mundo. Mas não foi apenas o coração de Joana que Marie-Ange fez acelerar. Antonio também foi fisgado pela leveza da francesa e, ao contrário de sua irmã, parou. Deixou de ser um fugitivo de suas lembranças para pensar nos acontecimentos de sua vida.
Embora utilize a paixão e a figura desta mulher desencanada, livre, leve e disposta a ver o mundo, me parece que não é esse o ápice da história. É fácil se apaixonar por Marie-Ange, eu como leitora também me apaixonei. Porém, o mais relevante é pensarmos como precisamos de um fator externo, de alguém, de algo, seja Marie-Ange, qualquer pessoa ou um objetivo apenas, para sairmos de um determinado modus operandi, de uma repetição constante.
Além disso, Dois Rios é uma narrativa intensa, com personagens pulsantes, interessantes e que compartilham muitos sentimentos com todos nós, personagens das nossas próprias vidas.

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