segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Sobre o poder do humor

O humor pode levantar ou devastar um ser humano num intervalo ínfimo de tempo. Mas eu me questiono: o que faz alguém ficar muito lá no alto ou lááá embaixo, na corda bamba entre euforia e depressão?

Há seis meses meu pai saía da UTI após passar um mês lá. Uma superdosagem de haldol fez com que ele não conseguisse sequer abrir a boca para beber água e, por isso, teve de ser internado. Na enfermaria do hospital não teve os cuidados necessários e depois de dois dias em casa regressou à UTI.

De volta para casa, ficou em uma cama hospitalar, comendo comidas líquidas, de canudinho, porque não conseguia mastigar. Perdeu dois dentes enquanto estava na UTI. Os movimentos das pernas também se foram, o que fez com que precisasse da cadeira de rodas por um período. Usou fraldas geriátricas, sofreu diariamente sendo submetido a  curativos em escaras enormes que se formaram em seu corpo enquanto estava no hospital. Eu e meu irmão parecíamos duas crianças indefesas caindo no choro quando nos deparamos com aquela situação. Mas algo ali era bizarro: meu pai sapateava na nossa cara com o seu bom humor. Tudo virava piada. Ele fazia qualquer visita sair de sua casa rindo com as bobagens que falava.

O tempo passou, com a fisioterapia ele conseguiu se locomover com a ajuda de um andador, até que agora é capaz de caminhar por um trajeto razoável sem precisar se escorar em nada. Colocou novos dentes, pode comer um peixe na beira da praia ouvindo músicas que o agradam - seu programa favorito desde que me entendo por gente - as escaras estão 90% cicatrizadas, já dorme em sua cama, aposentou a cadeira de rodas, mas não abre a boca para nada. Só consegue dizer "estou morrendo".

Peraí. Que porra é essa? Até outro dia você não andava, não comia, sua vida estava uma merda e você sorria. Aos 69 anos você teve força para se recuperar, consegue de volta suas funções primordiais e diz que está morto? Como isso é possível?

Minha madrasta afirma que ele está assim desde janeiro quando soube da morte da prima que não se curou de um câncer. E me lembro de um luto - já vivi e sei o quanto a morte física do outro pode nos ocasionar uma morte temporária em vida. Não há remédio - para mim não teve - que cure naquele instante a dor profunda e a vontade de não fazer nada - só desejar o fim. Não existiu para mim nenhuma pílula que dissipasse aquela dor. E é justamente a ausência de um pó mágico para desfazer as perdas - as dores profundas, o emplastro Brás Cubas de Machado - que me sinto nua, completamente impotente, sem capacidade de ajudar ou modificar essa situação.

Cada um de nós precisa de um tempo necessário que é só nosso para viver - digerir, sentir, refletir - o que for. É descompassado, não segue o ritmo de ninguém. Não é uma banda, é um solo. É um lamento de um cavaquinho, que é bonito, mas não tem o violão de sete cordas para transformar o bonito em belo. É triste, difícil de aceitar, mas necessário.

Talvez eu nunca entenda como lidamos com o humor. Em menor e maior escala. No que se é dito patológico e o que no que se diz cotidiano. Mas que ele é uma força poderosa, para o bem e para o mal, isso eu não posso negar.

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