O humor pode levantar ou devastar um ser humano num intervalo ínfimo de
tempo. Mas eu me questiono: o que faz alguém ficar muito lá no alto ou
lááá embaixo, na corda bamba entre euforia e depressão?
Há seis meses meu pai saía da UTI após passar um mês lá. Uma
superdosagem de haldol fez com que ele não conseguisse sequer abrir a
boca para beber água e, por isso, teve de ser internado. Na enfermaria
do hospital não teve os cuidados necessários e depois de dois dias em
casa regressou à UTI.
De volta para casa, ficou em uma cama hospitalar, comendo comidas
líquidas, de canudinho, porque não conseguia mastigar. Perdeu dois
dentes enquanto estava na UTI. Os movimentos das pernas também se foram,
o que fez com que precisasse da cadeira de rodas por um período. Usou
fraldas geriátricas, sofreu diariamente sendo submetido a curativos em
escaras enormes que se formaram em seu corpo enquanto estava no
hospital. Eu e meu irmão parecíamos duas crianças indefesas caindo no
choro quando nos deparamos com aquela situação. Mas algo ali era
bizarro: meu pai sapateava na nossa cara com o seu bom humor. Tudo
virava piada. Ele fazia qualquer visita sair de sua casa rindo com as
bobagens que falava.
O tempo passou, com a fisioterapia ele conseguiu se locomover com a
ajuda de um andador, até que agora é capaz de caminhar por um trajeto
razoável sem precisar se escorar em nada. Colocou novos dentes, pode
comer um peixe na beira da praia ouvindo músicas que o agradam - seu
programa favorito desde que me entendo por gente - as escaras estão 90%
cicatrizadas, já dorme em sua cama, aposentou a cadeira de rodas, mas
não abre a boca para nada. Só consegue dizer "estou morrendo".
Peraí. Que porra é essa? Até outro dia você não andava, não comia, sua
vida estava uma merda e você sorria. Aos 69 anos você teve força para se
recuperar, consegue de volta suas funções primordiais e diz que está
morto? Como isso é possível?
Minha madrasta afirma que ele está assim desde janeiro quando soube da
morte da prima que não se curou de um câncer. E me lembro de um luto -
já vivi e sei o quanto a morte física do outro pode nos ocasionar uma
morte temporária em vida. Não há remédio - para mim não teve - que cure
naquele instante a dor profunda e a vontade de não fazer nada - só
desejar o fim. Não existiu para mim nenhuma pílula que dissipasse aquela
dor. E é justamente a ausência de um pó mágico para desfazer as perdas -
as dores profundas, o emplastro Brás Cubas de Machado - que me sinto
nua, completamente impotente, sem capacidade de ajudar ou modificar essa
situação.
Cada um de nós precisa de um tempo necessário que é só nosso para viver -
digerir, sentir, refletir - o que for. É descompassado, não segue o
ritmo de ninguém. Não é uma banda, é um solo. É um lamento de um
cavaquinho, que é bonito, mas não tem o violão de sete cordas para
transformar o bonito em belo. É triste, difícil de aceitar, mas
necessário.
Talvez eu nunca entenda como lidamos com o humor. Em menor e maior
escala. No que se é dito patológico e o que no que se diz cotidiano. Mas
que ele é uma força poderosa, para o bem e para o mal, isso eu não
posso negar.
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