segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O dia em que encontrei Sigmund Freud


Antes que eu tenha qualquer problema, aviso que esta é uma entrevista de ficção, portanto, sem compromisso com dados precisos, informações verdadeiras e etc.
Apenas uma brincadeira de exercício da escrita.

Foi numa tarde de outono em que eu e Sigmund Freud entramos numa onda. Em uma máquina do tempo, ele veio ao futuro, no século XXI. Eu, repórter inexperiente, não sanei meu desejo de visitá-lo no passado. Quando enviei minha comunicação, Dr. Zig foi enfático: "Eu irei ao futuro ver como anda este mundo". Obediente, aceitei. A entrevista da minha vida, que nunca aconteceu e jamais ocorrerá, se passa aqui, em algumas linhas. Onde quer quer você esteja, não mande me matar!

Onde Está O Óleo?Freud, quando você criou a Psicanálise, imaginou que ela sobreviveria a, pelo menos, um século de existência?

Sigmund Freud – Quando descobri que havia algo no ser humano que ele mesmo desconhecia, fora de sua consciência e que contradizia tudo o que se pensava sobre a razão, pensei que estava em uma viagem de cannabis. Cheguei a cogitar que pudesse ser um sonho (vide interpretação), mas então percebi que se tratava de uma descoberta. Me senti como Sherlock Holmes tentando desvendar um mistério. Achei tão curioso aquele meu insight, que resolvi me debruçar sobre o assunto. Fiz diversos ensaios sobre a minha criação. E assim como a Bíblia, a maior ficção que virou “cartilha” para muitos seres humanos, achei que seria inovador e ousado se a minha ficção também se tornasse um modo de viver. Pensei que ultrapassaria o apenas ‘estar’ de uma teoria. Mas é claro que, quando eu escrevia a Fliess minhas constatações, quando eu dizia a ele cada nova pista de meu mistério, pensava que se tratava apenas de um ‘realize’ que dividia com um amigo. Eu escrevia somente o que um alquimista falaria ao um colega de profissão sobre um novo experimento. Jamais pensei que nossas correspondências seriam compradas em formas de livro, 100 anos depois. Embora fosse meu desejo que minha ficção fosse lida e aplicada, não tinha noção dessa prospecção.


Onde Está O Óleo? Pegar os sonhos como material de investigação e, transformar isso em um modo de interpretar a vida de um sujeito, não lhe pareceu ousado demais, ao mesmo tempo em que muito original?

SF- Você é mesmo muito jovem. O original só pode vir da ousadia. Apostar em um desejo e em uma ideia é o princípio para transformar o simples em algo original, perene. Taí meu amigo Albert Einstein para corroborar com isso. (“Se, a princípio, a ideia não é absurda, então não há esperança para ela”) Não é possível criar algo singular se não se apostar, ainda que eu acredite que tudo é uma grande ficção ou ousado demais. Finalizei “A interpretação dos sonhos” em 1899, mas foi um material que veio inaugurar o século XX, em 1900. Talvez tenha sido a minha primeira obra relevante, e, a partir daí as pessoas passaram a deixar de rejeitar o que falava e a prestar mais atenção no meu discurso. Interpretar os sonhos foi algo que surgiu quando eu trabalhava como neurologista, ainda descobrindo a neurose.Investiguei os sonhos e percebi que eles estavam sempre relacionados ao cotidiano de minhas pacientes e, então, pude notar que aquilo queria dizer algo. Até chegar a conclusão que o sonho muitas vezes pode representar a realização de um desejo, foram muitos atendimentos e muitas noites sem dormir.

Onde Está O Óleo?Como foi o processo de criação da Teoria da Sexualidade? Você esperava que a sociedade se chocasse tanto com o que você propôs?

SF
– A Teoria da Sexualidade foi o que mais interferiu na minha imagem. Descobrir que a sexualidade nasce com o sujeito e que ainda bebê uma criança pode, sim, ficar excitada, foi uma questão de muita observação. É algo que qualquer um pode se ater e notar. Qualquer pessoa que coloque uma criança acordada próxima a um casal transando, é passível de vê-la excitada. Essa descoberta foi apenas fruto de uma longa dedicação à minha observação. O que me incomoda é saber (através da máquina do tempo) é que em pleno século XXI muita gente ainda recalque essa constatação. Colocar a criança como inocente é ir contra tempos de estudos que tive e também ir contra a toda coragem que tive de tornar isto público.


Onde Está O Óleo?O Complexo de Édipo é um conceito que todos citam quando falam de você. O que você acha dessa repercussão?
SF – Acho reducionista. Basear a dependência do filho de sua mãe a essa belíssima tragédia grega foi um momento de contemplação. Pude enxergar no Édipo, um sujeito que estava ligado à mãe, ainda que não a conhecesse. Minha teoria sobre o recalque teve base nessa tragédia. Mas, além disso, está a castração. A psicanálise não teria valor algum se eu não tivesse elaborado o conceito de castração. É o momento mais bonito do Édipo, quando ele está em Antígona, cego, castrado, sem revolta. Ali, humilde, ele consegue chegar ao momento mais bonito em que um ser humano pode chegar, que é o de não se saber o que fazer. É o momento onde se assume a impotência, a falta de poder para realizar algo. E essa beleza é reduzida a um “bla, bla, bla” que pretende transformar o Complexo de Édipo em um conceito fechado, numa fórmula.

Onde Está O Óleo? O que você tem a dizer sobre o momento de análise? Você acha que o psicanalista atual está preparado para clinicar?
SF – A análise é um momento do sujeito. Ele diz, diz, diz e só depois aquilo vai fazer sentido. Ele pode passar algumas sessões falando a mesma coisa, sem perceber. Pode falar de assuntos diferentes achando que nada se encaixa. O psicanalista nada mais é que alguém que passou por diversas angústias semelhantes ou divergentes a de seu “paciente ou cliente”. Ele, aparentemente, direciona o que o analisando diz. Mas, na verdade, tem a função de um altar. O sujeito que crê na doutrina católica, por exemplo, reza diante de um altar crendo naquela força. É como o suplicante que vai se livrar de sua culpa no divã. O analista é como aquela imagem de Nossa Senhora ou qualquer outro santo. Está ali para dar sentido ao ritual de falar. É bem verdade que, com sua experiência, ele é capaz de pontuar, falar e dar forma às questões que, talvez, o analisando sozinho não pudesse dar conta. Mas o analista também é um ser humano e, por isso, está sujeito a equívocos.

Onde Está O Óleo?Para você, a formação psicanalítica está a altura da de sua época?
SF – O que acho é que a complacência com a mistura de pensamentos é muito grande. Expulsei Jung (Carl Jung) de meu grupo de estudos por conta de sua mistura. Deu no que deu. Veio ele com seus arquétipos. Posso dizer que isso é uma afronta à psicanálise que tanto se dedica à quebra de discurso do sujeito. Criar símbolos que signifiquem o ser humano é o que há de mais patético. As pessoas, que tanto querem respostas prontas e fáceis; que não querem se deparar com sua inquietude, com sua angústia, se contentam facilmente com esta interpretação fácil e cômoda. Arquétipos facilitam o processo os quais cada um tem que fazer por si. Jung não suportou o desamor e a crítica. Teve de criar algo de fácil alcance e compreensão para ser amado. Ele não compreendeu o meu esforço explicitado em “Psicologia de grupo e análise do ego”.

Onde Está O Óleo?Você acha que sua dedicação à criação da psicanálise tem uma repercussão positiva, atualmente?
SF - Não. Acho que a maioria das pessoas ignora o meu grande feito, que foi a descoberta do inconsciente. As pessoas continuam achando que têm controle sobre as coisas e que têm poder de escolha, sem saber que isso é maior que elas. Mal sabem a força do inconsciente e o ignoram completamente. A minha Teoria da Sexualidade também foi solenemente ignorada. Digo isto porque vejo a crença na inocência das crianças. Acho a infância uma fase lúdica e, por isso, muito interessante e fácil de ser contemplada.Como seu superego ainda está em construção, a criança se torna muito mais interessante. Mas acho que é a crença na inocência delas e falta de atitudes enérgicas em virtude dessa crença, que deixam o mundo cada vez mais bobo e inabitável.

Onde Está O Óleo?E quanto ao superego. Como você acha que o mundo contemporâneo encara esse conceito?
SF –
Acho que superego virou uma palavra muito utilizada em mesa de bar. As pessoas não se tocam da grandiosidade desse conceito e o quão pejorativo ele pode ser na vida de alguém. Superego é opressor. E ainda que seja necessário para a formação e educação das pessoas, ele é categoricamente opressor. Virou uma palavra corriqueira, que pessoas que nem estão em análise utilizam. Tenho síncopes a cada vez que ouço essa palavra mal empregada. Gostaria de dizer que estou farto dessa banalização do jargão psicanalítico. Também tenho ojeriza dessa gente “cool” que muito fala, mas pouco se debruça a fazer algo, de fato, importante para suas vidas. E quero dizer que esse “bla, bla, bla” com perguntas pouco consistentes também não me apraz. Fico por aqui.

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