quinta-feira, 21 de agosto de 2014

De mar, de sol, de lua

Um casal de amigos gringos, recém-pousado no Rio, me pergunta se gosto de morar no meu prédio. Respondo orgulhosa que sim, ainda mais porque da janela da sala vê-se a Pedra da Gávea e temos uma posição privilegiada para o Cristo.

A mulher ri e pergunta se sou religiosa quase que num sarcasmo de quem sabe que a resposta é não. Ao mesmo tempo que digo que não sou - com um sorriso no rosto de quem confessa o contraditório - ela emenda que o carioca tem uma devoção por esta imagem tal qual um prêmio que exibe na estante. Não discordei. E foi a deixa para eu tecer praticamente uma declaração de amor pelo purgatório da beleza e do caos ali, naquela mesa de bar.

Foi dessa conversa que me lembrei quando hoje fui pega com a real e concreta possibilidade de deixar a cidade. É um desejo que existe há algum tempo, é verdade. Mas só quando ele está próximo de se realizar é que o frio na barriga invade todo o seu corpo e você passa a olhar para cada detalhe ao seu redor como se estivesse se despedindo.

Foram sete anos e meio de pura paixão, que antes de sê-la era um sonho. Primeiro um sonho longínquo de uma adolescente que queria ir ver o mundo e toda a sua liberdade. E o mundo estava ali, a 150 km de distância. Depois um sonho vivo, que se concretizou e que - cá para nós -, vivi intensamente.

Os banhos de mar, de sol e de lua. Porque não se passa um verão nesta safada sem um mergulho noturno no Arpoador. As ciclovias do Aterro, da orla e da Lagoa que cruzei sempre admirando a geografia mais bela do planeta (sim, porque nós cariocas, visto que já me tornei uma, temos essa mania de dizer que tudo nosso é mais; como dizem que a esfirra do Largo do Machado é a melhor da cidade e o pessoal do Humaitá certamente acha que a da Cobal é que é).

Cada boteco, cada noite interminável na querida São Salvador, cada ida à praia esticada em um samba na Pedra com pés cheios de areia e cabelos despenteados e duros de sal. Aquela eterna reclamação de que "isso é uma província, é um absurdo às 2h não ter mais bar aberto para a gente beber". Tudo isso marca o espírito dessa cidade, que no meu ponto de vista só deveria ser habitada por bon vivants, afinal de contas é muita beleza e talento para ser feliz concentrados num lugar só. "Absurdo mesmo é ver TV nesse(a) - prefiro usar no feminino - Rio de Janeiro", foi o que pensei deslumbrada quando aqui cheguei.

E por muitos anos não vi mesmo. O encantamento com as mil possibilidades só me fazia querer saber e descobrir cada canto desse lugar. O fato é que você pode ser bon vivant de qualquer maneira nesta cidade. Acordando cedo para fazer a Trilha da Urca ou indo dormir às 6 depois de uma noite irada em Santa Teresa. E isso aprendi bem com os cariocas. Viver como se não houvesse amanhã. Se para ser convidada para ir à casa de alguém é melhor ter amigos forasteiros na cidade, no quesito carpe diem o carioca não se acanha em ser seu "brother".

Os defeitos, ah, eles a gente aprende a aceitá-los, como fazemos com o que ou quem amamos. Mas tudo que é arrebatador não nos sai da memória. Quero um novo mundo de possibilidades, porém sem esquecer essa grande paixão. Rio, você é e sempre será a mulher que mais amei. Obrigada por tudo e até a próxima.

Um comentário:

  1. Que declaração bonita, gata. Ah, essa safada que nos sacaneia e nos seduz em igual medida...

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