quinta-feira, 10 de maio de 2012

Há que se mudar de vida

“Adeus, querido Sacha!” – pensou. Entretanto mentalmente via abrir-se diante de si uma nova vida, ampla, extensa, e essa vida, ainda indistinta, cheia de mistérios, atraia-a e chamava por ela. 

 Subiu no andar de cima e começou a arrumar suas coisas. Na manhã seguinte, depois de se despedir dos familiares, bem disposta e alegre, partiu da cidade.

Supunha que para sempre

Anton Tcheckhov em A Noiva 


Um fato me chamou a atenção esta semana: duas pessoas de diferentes setores da empresa onde trabalho pediram demissão. Primeiro uma assessora de imprensa, que não trabalha diretamente comigo. Com família em Conservatória e morando sozinha no Rio de Janeiro, ela se cansou da vida nada confortável que leva por aqui. Decidiu ajudar sua mãe na pousada em sua cidade natal. Logo depois, o melhor repórter da nossa redação de conteúdo (esta uma eleição minha, nunca ninguém disse) também pediu para sair. O cara, que além de dar aulas em universidade, escreve bem e deseja na verdade “viver de ficção”, fazendo seus contos. Mas acabou chutando o balde para estudar para concurso e ter uma vida mais light que a de redação, quem sabe assim tenha mais tempo para escrever e melhorar suas aulas.

Recentemente li Samsara, do meu amigo Cezar Carazza, que estará em breve nas livrarias. O livro levanta diversas questões interessantes, as quais posso me demorar em analisar quando for lançado.  Mas algo específico – denominado por ele como Rebelião dos Exus – me fez refletir bastante. Trata-se da revelação do desejo, do que de fato queremos para nossas vidas. A imposição de uma vida confortável que prevê os bens de consumo como sinônimo de bem-estar cada vez mais cai por terra.  Talvez a nossa profissão de jornalista apresse e intensifique esta inquietação, já que há sempre muito trabalho e as condições andam bem reduzidas. Mas acredito que aconteça de um modo geral; o império do trabalho como produção, sem estar atrelado ao prazer aguça uma angústia tamanha que desemboca em paliativos como o consumo de drogas lícitas (como o álcool em exagero e os ansiolíticos) e  ilícitas. Vejam bem, não é um preconceito com o uso de qualquer substância, mas sim uma atenção específica ao que leva ao seu consumo, já que seu efeito é efêmero.

Quando vejo o meu colega de trabalho tomar uma atitude (ainda que eu acredite que não seja a melhor, mas é uma tentativa de melhora na qualidade de vida), ou quando observo o meu amigo  e autor do livro largar o mundo corporativo para ir escrever suas histórias (pagando o preço por isso, ganhando menos dinheiro, correndo atrás de projetos que possam financiar outras publicações) algo bate aqui. É preciso muita coragem investir de fato no desejo e abdicar das imposições que nos levariam ao bem-estar. Hoje reli a “A Noiva”, de Tchékhov, conto que me foi apresentado há alguns anos. Nele está presente o mesmo ímpeto de ir ver o que a vida pode te oferecer além do lugar-comum confortável. Confesso que este momento é sempre perturbador, nunca sabemos para onde ir, como começar, se o que queremos vai dar certo, ou se o que desejamos é o que realmente desejamos.

Pode ser uma mudança simples como iniciar um curso de pintura que você gostaria de fazer há anos, ou uma aula de tricô. Às vezes essas coisas ficam pequenas e também paliativas como as drogas. Tenho essa mania de pensar “tem de ser algo que me tome e tenha toda a minha atenção e dedicação”. Talvez por essa megalomania fique difícil de identificar, ou vai ver é só uma fase. Ou de repente sei o que é, mas falta coragem. O fato é que tem que achá-la. Há que se mudar de vida. 

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