domingo, 6 de maio de 2012

Para Fernanda

Tentei algumas vezes durante esses trezentos e sessenta e cinco dias escrever qualquer coisa que pudesse expressar o que eu sentia. Tudo me soava pesado, emperrado, mal escrito. É que a morte é solene e a dor mais ainda. Soma-se o peso do luto à dificuldade de lidar com o não haver e o resultado é pungente.
Eu poderia falar sobre a fugacidade da vida; como é partilhar momentos incríveis com alguém que você adora e horas depois acordar com a notícia de que ela se foi. Poderia descrever detalhadamente o quanto é insuportável e sufocante lidar com a ideia de que você tinha por um instante a chance de ter mudado o curso daquela história. Ou até prenderia a sua atenção narrando a perplexidade de jovens , adultos e crianças diante da estupidez de um fato que não tem mais volta. Também não seria difícil te dizer sobre o meu tormento em amarrar tantas coincidências; em te fazer uma retrospectiva de fatos sobre as nossas vidas que podem ser do acaso, é verdade, mas que em determinados momentos parecem, no mínimo, intrigantes. Não, nada disso me custaria muitas palavras ou esforço. Talvez me causasse dor em reativar essas lembranças. Mas, de que vale?
Então pensei na saudade. É como um filme em que a cena inicial se dá no Colégio Disneylândia em São Pedro D’Aldeia. Tínhamos onze anos e eu, recém-chegada na turma, observava uma menina maquiada – usava lápis e batom escuro – que dava broncas subseqüentes em um moleque que sentava na cadeira à sua frente e não hesitava em virar para traz e falar gracinhas para irritá-la. Eu achava engraçado que ela não dava refresco. Chamava ele de idiota ou dava um tapa cada vez que ele se engraçava. Sua vaidade me fez pensar de que se tratava de uma patricinha sem muito a me acrescentar. Preconceito idiota. Dias depois eu já estava fascinada por aquela menina inteligente, a melhor aluna da turma, e enérgica com as babaquices alheias.
Dei um jeito de chegar perto, pedir ajuda nos trabalhos e, aos poucos, fomos nos tornando amigas. Passaram-se aniversários e nossos laços se estreitaram. Éramos muito diferentes em termos de gostos e afinidades; fato que não mudou durante os nossos onze anos de amizade. O que nos unia era o afeto. Era a cumplicidade na hora de acender fósforos e enfiar nos furinhos do muro do meu vizinho achando que estávamos fazendo algo super radical. Anos depois ríamos de nossa imbecilidade. Trocávamos cartas falando bobagens. Nos demos cobertura, cada uma para o seu primeiro beijo. Xingamos juntas quem achávamos idiotas. Levei broncas por não fazer coisas “certas”; tipo mentir pra minha mãe que ia para a casa dela fazer trabalho de História, quando na verdade queria era ir papear. E nunca dei broncas porque nunca precisei; ou por achar que não precisava.
Mudanças das mais variadas ocorreram em nossas vidas. Me mudei de cidade; depois mudei para mais longe. E assim nos víamos menos, nos falávamos menos. Até que um fato nos reuniu novamente. Gosto de pensar que foi para que nos reaproximássemos e assim pudéssemos viver seus dois últimos anos aqui partilhando ideias. Novamente aquela cumplicidade retornou. E pude contar com ela para novas mudanças na minha vida. Como em seguida vivenciei na sua e assim trocamos lágrimas e risadas, mais uma vez. Nas últimas horas que passamos juntas trocávamos experiência com o jogo de cartas. Ela freqüentava uma cartomante de vez em quando e sempre dizia que eu deveria fazer o mesmo. Na ocasião resolvi contar que tinha então acatado a ideia e ido a um senhor muito bacana. Ela se impressionou quando eu disse que ele havia me falado sobre um luto muito em breve. Disse que a cartomante dela só dizia coisas boas. Rimos e seguimos então para a festa. Horas depois me despedi com um abraço; deixei a chave reserva de casa com ela e vim embora.
Eu poderia continuar essa história. Mas contar seu desfecho é inútil. Então prefiro lembrar que durante bons onze anos passou pela minha vida uma pessoa incrível; que me fez quebrar barreiras sobre o diferente e durante o seu tempo aqui cativou pessoas de diversos estilos e idades pela sua fantástica noção de respeito e aceitação. Alguém que muito me ensinou.

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