domingo, 1 de abril de 2012

Perpetuidade(...)

Ilustração do designer e blogueiro do NYT, Christoph Niemann

“(...) vai perceber que liberdade perpétua é tão perigosa quanto a prisão perpétua, porque o problema não é liberdade ou prisão, é a perpetuidade, a repetição idêntica que, para mudar a história, precisa parar. Sei que é difícil, a tendência humana é repetir, por isso, o novo ano repete os mesmos rituais do ano anterior, só que as pessoas que fazem a mesma coisa nem sempre são as mesmas.”Alberto Godin


Era um domingo nublado quando fechou as páginas da revista que continha aquelas palavras. O colunista que havia escrito não era alguém de quem fosse fã. Pelo contrário. Eventualmente considerava seus textos um tanto quanto piegas. Mas sempre teve em sua mente que a escrita como ofício era um exercício. Um dia podia sair bom, em outro não. Era essa a premissa que usava para ler aquele cara, mesmo sabendo que não gostava muito do seu trabalho.

Achou pertinente não o conjunto da obra, mas aquele recorte em si. Resolveu deixar a praia, já que o tempo estava esfriando e o vento começava a incomodar. Entrou no carro, e, antes mesmo de colocar a chave na ignição, ligou o rádio, como de costume. Tocava uma versão de Maria Rita que dizia Repetindo/ repetindo/ repetindo/ como num disco riscado/ o velho texto batido. E parou por aí. Lembrou da perpetuidade que o colunista falara.

Era isso. Aquela sensação de repetição, de inércia, de um disco riscado o fazia incorporar a própria enceradeira: rodava, rodava, rodava e não saía do lugar. Era assim com tudo. Com as relações com a família, com os amigos, com as namoradas, no trabalho, com as piadas que contava. Só não se dava conta. A princípio tinha a ideia de que estava sempre nessa dicotomia entre liberdade e prisão. Sempre intimamente ligadas a desamparo e conforto. Vivia o paradoxo: quando experimentava ser livre, não se sentia sozinho, mas sem amparo. Mas quando se sentia aprisionado, era comprado pelo conforto. E era nesse impasse de liberdade e prisão que estava calcada a sua repetição, ou, como diria o colunista, a perpetuidade.

Após trafegar apenas um quarteirão, lembrou-se que havia esquecido de pagar sua conta na barraca da praia. Na volta, deparou-se com um bate-boca entre uma senhora e o vendedor da barraca que discutiam o valor final que ela tinha que pagar. Um sujeito, aparentando uns 45 anos, pele morena escura queimada de praia, com algumas tatuagens, chegou e apaziguou. “Qual o problema?” E no mesmo instante em que assuntou o que acontecia ali, o sujeito tirou alguns reais da carteira e resolveu a situação. Sua impaciência em voltar para o carro, mal estacionado no quarteirão adiante, deu lugar a uma intriga: que sujeito era aquele?

Foi assim que Edmilson, que gostava de ser chamado de Ed, entrou na sua vida. Alegre, provavelmente alcoolizado, ele ouvia umas músicas no celular em um volume alto, caracterizando mais que uma cafonice, uma falta de respeito por quem estava do lado. Deu de ombros àquela postura e imaginou que por trás daquela postura pouco polida havia muito mais. Sentaram na areia, e, Ed, com dez minutos de conversa, falou sobre sua vida. Sua história com sua mulher, que ao mesmo tempo em que era sua companheira, lhe dava dor de cabeça. Ed ia à praia atrás de affaires com homens. Não explicitou, a princípio, como isso funcionava. Mas deixou claro que aquela era uma prática recorrente. Trocaram telefones para uma eventual saída.

Não havia se sentido atraído por Ed, mas aquela leveza e facilidade de lidar com a vida o encantaram de certa forma. Se viram novamente. Ed não era um cara muito articulado. Suas frases às vezes não terminavam. Parecia que não conseguia explicar em palavras o que estava pensando ou sentindo. No entanto, possuía uma percepção diferenciada. Embora não tivesse ideias concatenadas, deixava transparecer sensibilidade para as coisas.

Olhava para Ed e reconhecia que já havia feito em si mudanças positivas, no seu ponto de vista. Lembrou de toda sua formalidade de antigamente, de como era duro, não no sentido grosseiro, mas sem malemolência e gingado necessários pra lida com a vida. Recordou-se das experiências obtidas e um meio sorriso brotou em seus lábios à medida que percebia o seguinte: sua estrutura fechada e rude parecia se abrir aos poucos. E ainda que lhe faltasse o traquejo e a facilidade de dar tons leves à vida, como lhe parecia ser o caso de Ed, notava que tinha tido avanços ao longo do tempo.

Mas uma coceira, um mal-estar pulsante, fazia ecoar em sua mente aquela sensação de enceradeira, de disco riscado. Parecia que a sua repetição e a falta de ruptura o fazia sempre morrer na praia. Todas as indagações que fazia a Ed, na esperança de que pudesse achar a fórmula ou a solução para o seu dilema, tornavam-se inúteis.

Eis que Ed um dia, após muitas conversas, lhe diz. “Cara, sabe o que acontece? Você ta sempre numa direção, você parece o metrô, bicho! Vive em linha reta. Não faz zigue-zague, não vai para outros cantos”. Ele riu.

Talvez o que Ed quisesse dizer é que suas expectativas é que estavam cristalizadas. Tudo o que via era apenas e somente um plano. Um caminho. Porque achava que a vida era feita de um caminho só, com metas cumprir, tarefas a fazer. A perpetuidade estava aí, no seu pensamento, nas suas expectativas, na dificuldade de enxergar o que estava por trás daquela repetição.

De que adiantava nos novos anos, as pessoas serem outras – como dizia o colunista –, de que valia então viver as dicotomias, se as suas questões eram perpétuas? Se o seu modo de ver a vida era igual e imutável? Ele precisava era abrir outras trilhas, necessitava de outros caminhos, só assim dissolveria o que parecia inquebrável. Foi a conclusão que tirou.


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