quinta-feira, 22 de março de 2012

Aquela velha angústia

Em 15 de novembro de 2011, inspirado na ilustração abaixo, feita por Vicky Furtado)*

Precisava se livrar de uma tonelada de pensamentos que pesavam sua mente.
Por um momento, fantasiou: sobre duas rodas podia dar a volta no país, quem sabe no mundo. Adequando a lentidão de sua compreensão ao modo de fazer a viagem, as duas rodas não possuíam motor. Não era uma motocicleta. Sua viagem era mais modesta que a do revolucionário Che.

Idealizou realizar o árduo exercício. Fantasiou, buscou em quem se inspirar. Acordou num domingo, subiu na bicicleta e pedalou dois bairros a diante. Parou num bar, pediu uma garrafa de cerveja. Bebeu. Conversou consigo. Não era sua melhor ouvinte, mas certamente aquele "diálogo" entre a sua constituição e a sua embriaguez era, no mínimo, um regozijo.

Lembrou das palavras de um outro ouvinte. Parou e pensou. Sua embriaguez permitia uma risada mais franca e ao mesmo tempo zombeteira. Ria com escárnio de si, talvez por ver - ainda que de modo cíclope - o quanto era boçal. Pagou a cerveja, pedalou em zigue-zague. Sentiu, com vento cortante no seu rosto, a adrenalina daquela aventura, e agradeceu por não haver blitz aos sem motor.

Passou um tempo. As duas rodas ficaram ali, jogadas em um canto da garagem. Buscou outras aventuras que pudessem suprir a angústia de viver. Esteve em festas, visitou as sensações mais intensas de embriaguez. Viu gente. Mas pouco se envolveu. A uma pessoa apenas mostrou um milímetro de sua fragilidade que escondia atrás de seu escárnio.

Rir de si parecia-lhe honesto e sublime. Mas não media, apenas intuía em raros segundos de lucidez, o quanto esse riso vinha carregado de censura e preconceito em cima de suas ações.

E se embriagava para ter coragem. A ressaca se dava em forma de chicote. Batia na pele e sangrava, num autoflagelo disfarçado de uma simples crítica.

Era a culpa por fazer aquilo que queria, mas não conseguia do jeito que considerava “certo”. Aquela busca por fazer as coisas de um modo que fosse bom, embora zombasse dos conceitos maniqueístas, causavam um consumo de horas e horas de brigas consigo mesma. Se sentia mal por fazer – em sua cabeça - tudo de modo exagerado, destrambelhado, errôneo.

Quem disse que o era? Era o chicote que dilacerava a carne. E não via saída. E havia saída. Do que se queria sair? Para onde fugir? Mas nunca vinha à sua cabeça, o porquê de querer fugir. Não se sabia. Não sabia. Não era sábia. Nada sabia da vida. Era o que pensava, num pessimismo incutido anos e anos, difícil para qualquer analista arrancar a estrutura inicial.

Era a certeza, e não a dúvida, como muitos apontavam, que a desconcertava. Queria entender – todos os dias - aquela falta de sossego. Encarou um espelho por longo tempo, não se sabe dizer por quanto, como se ele fosse capaz de lhe dar alguma resposta.

Viu transformações em seu rosto, se censurou. Pensou na quantidade de horas de sua vida em que passara tentando entender do que se tratava aquele nó no seu sossego, aquele aperto que mais parecia um alarme disparado dentro do peito sem hora para o controlador desarmá-lo.

Era a angústia, aquela velha e misteriosa que não cessava. Dormiu em pé em frente ao espelho. Acordou sem respostas.

*Essa e outras ilustrações, além de fotografias, podem ser vistas até o dia 30 de março de 2012 em Porto Alegre, no Espaço Cultural do Hospital São Lucas da Puc-RS

Um comentário:

  1. Simplesmente lindo! Mais um texto de uma sensibilidade que só artista tem! Babo com a facilidade que tu tens Isa de escrever e expressar tão bem em palavras coisas que sinto mas que parecem só ganhar sentido quando tu organiza em frases o que não consigo dizer nem para mim mesma.

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