domingo, 25 de março de 2012

Raso, largo, profundo

Esse seria o trecho de Gita que eu usaria para intitular o filme Raul – O início, o fim e o meio. O trabalho de Walter Carvalho retrata a vida daquele que foi a Mosca na Sopa, a Areia da Ampulheta, o Maluco Beleza, entre tantos outros personagens que a Metamorfose Ambulante de Raulzito o permitiu ser.

Desde o início, ainda moleque, Raul tinha um diário de anotações e desenhos onde inventava histórias e sonhava. Ali escreveu que queria ser músico ou locutor. E assim, acreditando no desejo, persistiu. Ainda garoto fundou um fã clube do Elvis e passava horas vendo no cinema o mesmo filme do rock star.

O mais interessante é que o baiano, um dia fascinado e seguidor do estilo propagado por Elvis, caracterizado pela gola da camisa levantada e o cabelo engomado, tempos depois criou ao lado de Paulo Coelho a Sociedade Alternativa, que pregava um livre viver, fora do sistema. Raul viveu tudo de maneira intensa, de modo que quebrou algumas dessas crenças. Suas letras mostram como ele foi vivendo a sua própria metamorfose acreditando com vigor nas “coisas da vida” (como ele mesmo diz em Gita) e as desconstruindo. Talvez tenha sido isso que o permitiu mostrar que as coisas conversam, como fez unindo o rock e o baião numa mesma canção. Quando perguntado se sua música era de protesto, depois de ter usado de seu sarcasmo em Eu também vou reclamar, ele disse: eu faço Raul Seixismo. Sua autenticidade estava em dar forma ao que sentia e em fazer o que queria. Criticava, ironizava, falava de política, de amor, do desencontro e de tudo o que lhe desse na telha, fosse através de solos de guitarra ou ao som do triângulo.

Foi um apaixonado, como todo canceriano (o que deixava claro até nas músicas). Teve cinco mulheres, todas elas – exceto a primeira que parece não ter lidado bem com a explosão de sentimentos que era aquele cara - lembram dele com carinho. Todas elas não deram conta da sua relação com o uso de álcool e drogas. Achei estranho que ninguém tenha relacionado (talvez apenas não tenham mencionado por uma questão moral) esse consumo com a mesma forma que consumia tudo na vida. As músicas, os filmes e as drogas. Ele era um cara que queria ir além, ou melhor, estava sempre além.

Nasci em 89, 2 meses antes dele morrer. Treze anos depois me deparei com um LP de “Maluco Beleza” empoeirado da minha mãe. Eu já tinha ouvido um clássico ou outro de Raulzito na rádio, mas não tinha me causado nada. Nessa época a vitrola lá de casa mal funcionava e os CDs já tomavam conta da estante. Eu fiquei intrigada com aquela figura e fui atrás de suas músicas na internet. Baixei músicas variadas, sem ordem cronológica de disco, o que significa que eu não acompanhei a transformação da Metamorfose Ambulante. Para mim era tudo uma coisa só e foi tomando conta do meu dia a dia, fui ouvindo tudo aquilo cada vez mais fascinada com a capacidade dele dizer as coisas. Quando ouvi Ouro de Tolo pela primeira vez passei uma tarde no repeat. Ali eu sentia que tinha arrumado, enfim, um ídolo atemporal. Tempos depois li o Baú do Raul Revirado, mas sentia que faltava uma homenagem maior a ele, principalmente nas telonas. Vinte e dois anos após sua morte, finalmente saiu. Vale a pena conferir.

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