quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O dia em que conheci Maria e rodei 610 km pela costa uruguaia

Maria se hospedou no hostel porque ao fazer a busca na web encontrou os preços de hotel caríssimos. Algo normal na alta temporada. Aos 62, cansou da superficialidade dos habitantes de Mônaco, onde vive há sete anos. Tem dois filhos, um "socialista que quer ajudar a gente que necessita" e que vive em Buenos Aires (país onde Maria nasceu, na província de San Rafael). A filha, mais nova que o rapaz, mora em Dublin, se formou em letras, porém quer ser artista. Ao contrário do irmão, só lhe são interessantes as coisas que custam muito dinheiro. O casal nasceu em Israel.

Minha companheira de dormitório  me contou que depois de criar os filhos, se casar duas vezes - com um hiato de dez anos entre os dois matrimônios - aos 58 encontrou novamente alguém com que queria estar junto de fato. E que, agora, com os filhos criados e um companheiro que não lhe faz tanta companhia assim - já que a ele não interessa mais o tango, ir a festas e aproveitar o social - decidiu mudar toda sua vida. Quer abandonar a superficialidade de Mônaco. Estava em Punta del Leste à procura de uma casa confortável para comprar, se estabelecer, fazer uma horta, plantar suas verduras e dar festas quando possível. Se arrepende de ter abandonado seu trabalho, mas quer seguir adiante se respeitando e fazendo o que mais aprecia.

Digo a Maria que gostaria muito de conhecer a costa uruguaia e que um taxista havia me oferecido me levar por não tão módicos 550 dólares. (Antes de falar com ela, havia sondado uma trupe bacana do hostel para ver se conseguia companhia, mas todos já tinham passado pela costa e iriam terminar a viagem em breve seguindo para Montevidéu)

Eu sabia que Maria estava visitando casas e que era bem provável que não toparia ir até a costa. Me surpreendi quando ela sugeriu que alugássemos então um carro e que ela nos conduziria até Punta del Diablo. No dia seguinte, cumprimos o combinado. Quando passamos por La Barra, ainda em Punta, vimos uma cevicheria e ali decidimos que voltaríamos. Entramos em José Ignacio, fomos a Cabo Polônio (Maria subiu no pau de arara, sacolejou nas areias até no nosso destino e não reclamou nenhuma vez), visitamos Puntal del Diablo e, para minha surpresa ainda maior, sugeriu que fôssemos até o Chuy. Cruzamos a fronteira - momento em que eu parecia uma criança de cinco anos tamanha a alegria em passar pela placa da divisa entre Brasil e Uruguai - passeamos na Avenida Brasil de Chuy, vimos um lindo por do sol e voltamos. A volta teve a emoção de quase dois acidentes (curvas perigosas e motoristas irresponsáveis na estrada), música regional gaúcha e uma pergunta: Isabela, porque os brasileiros adoram colocar saudade nas canções? Questão essa que rendeu uma reflexão sobre saudosismo, sofrimento, América Latina. Quando as estações de rádios que tocavam músicas dos dois países (aliás, como deve ser louco morar na fronteira, ter uma mistura de lógicas, moedas, enfim) pararam de funcionar, Maria começou a cantar O que será?, de Chico e assim seguimos.

Após o nosso ceviche - delicioso - avistamos a polícia. Ela comentou que havia muitos por ali naquele dia e eu brinquei que deveria ser para pegar os borrachos ao volante ou para arrumar um qualquer (com a minha cabeça de brasileira). Maria me disse que os uruguaios são muito honestos e que a corrupção não está por toda a parte como em nosso país. Um taxista já havia me dito a mesma coisa e então concordei com ela.

Em um só dia Maria me surpreendeu muito. Da vida de madame em Mônaco a uma viajante sem frescuras, com muito pique pra estrada e muita sabedoria a transmitir a uma jovem mochileira.

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